A burocracia em excesso atrapalha apenas um indivíduo, aquele que trabalha dentro da lei
Em 2019, o Ministério do Desenvolvimento Regional chegou a um número preocupante: metade dos domicílios em todo território nacional possui algum tipo de irregularidade em sua construção. Trazendo para números absolutos, a proporção é tão assustadora quanto – 30 milhões de domicílios não possuem escritura, estão em área de construção proibida, têm algum problema estrutural ou não estão de acordo com a legislação indicada.
Sem contar com aqueles desconhecidos, invisíveis do poder público. Esses últimos, além de em muitos casos oferecerem risco à segurança pública, impactam na arrecadação dos impostos, deixando-os mais caros para quem trabalha dentro da legalidade. A cifra se mostra menos animadora ainda quando trazida à realidade florianopolitana.
Cerca de 70% das construções na cidade têm alguma irregularidade – em alguns bairros, a porcentagem é ainda mais elevada, como no Campeche com 72% ou nos Ingleses e Rio Vermelho com 82%. Na Lagoa da Conceição são muitas construções feitas dentro de terrenos de marinha ou em áreas de preservação permanente, o que se configura como crime ambiental. Os problemas originários da ocupação irregular são muitos: pouca segurança, desacordo com as normas municipais, degradação ecológica, redes clandestinas de saneamento e crescimento desenfreado no desenvolvimento urbano. Contudo, um dos maiores ninhos de irregularidades na construção civil, ao menos em Florianópolis, é a mão pesada da burocracia municipal sobre os projetistas.
No dia 15 de janeiro foi dado o primeiro passo para mudança dessa realidade. Nesta oportunidade, foram alterados e revogados artigos nas leis complementares 060/2000 e 374/2010 com uma justificativa clara – simplificar a legislação edilícia no município, impulsionar a fiscalização e desburocratizar a aprovação e licenciamento de projetos, segundo as autoridades competentes da cidade. Em termos gerais, as alterações aprovadas simplificam trâmites burocráticos e dão mais liberdade (e responsabilidade) aos profissionais responsáveis. Mas em que exatamente isso afeta na Construção Civil?
Quando uma obra é projetada, devemos antes da execução enviá-la à Secretária Municipal do Meio Ambiente, Planejamento e Desenvolvimento Urbano, para então ser direcionada aos analistas de projetos (que devem, segundo a legislação, analisar e autorizar a maior parte dos detalhes técnicos da obra) e finalmente seguir o moroso caminho de conseguir autorizações e carimbos de diversos setores. Problema: na prefeitura há atualmente cerca de 14 analistas para a cidade inteira. O número de fiscais seria ainda menor, com mais ou menos 10 para os mais de 500 mil habitantes e 675,4 km² do município.
A burocracia em excesso atrapalha apenas um indivíduo no processo, aquele que trabalha dentro da lei. Da mesma forma que um advogado possui autorização da OAB ou um médico do CRM para atuação profissional, um enge-nheiro possui do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia e um arquiteto o Conselho de Arquitetura e Urba-nismo. Transferindo a responsabilidade maior dos analistas e entregando-a aos projetistas – cuja competência é atestada pelo CREA/CAU – conseguiremos assim desafogar a fila de processos dos analistas para os colocar “em campo”, também na fiscalização eficiente das obras e no mapeamento de toda nova construção na cidade.
Além disso, a maior parte das obras que a prefeitura supervisiona estão efetivamente registradas dentro da lei para cumprir protocolos e carimbos do sistema. Em grande parte, as construções com algum tipo de irregularidade se-quer passam pelo conhecimento do poder público e só vão ser notadas tempos depois, quando as consequências já forem estruturais e de difícil solução.
Devemos sempre lembrar que liberdade exige responsabilidade. Aumentando a autonomia dos projetistas, arquite-tos, engenheiros e responsáveis pelo projeto e execução, também se deve promover uma fiscalização massiva e, então, punir quem estiver em desacordo com a legislação, o Plano Diretor, Códigos de Obras e as práticas da boa engenharia e arquitetura. Segundo a Câmara Brasileira da Indústria e Construção, a construção civil foi o setor que mais gerou novas vagas de emprego com carteira assinada em nossa cidade e no estado de Santa Catarina no último ano.
Sendo sua importância inquestionável, fica nítido que a desburocratização será o primeiro passo para um desenvolvimento limpo, seguro e eficiente desse nicho importante de nosso país.
Gustavo Bulcão Vianna, engenheiro civil